Uma nova tecnologia pode dificultar ainda mais os desafios das forças de segurança no combate ao narcotráfico internacional. Na última quarta-feira, dia 02, a Marinha colombiana registrou a primeira apreensão de um narcosubmarino não tripulado no mar do Caribe.1 Apesar de não estar abastecido com drogas, as autoridades colombianas acreditam que o equipamento estava sendo utilizado em uma viagem de teste antes da utilização efetiva da tecnologia.
A embarcação teria capacidade para transportar 1,5 tonelada de cocaína e estava equipada com uma antena da Starlink. A tecnologia do submarino permitia sua navegação à distância, aumentando a capacidade de evasão dos traficantes, que não estão mais obrigados a acompanhar fisicamente o deslocamento de suas mercadorias.
A utilização de submarinos para o transporte de drogas já é uma prática comum, inclusive entre as facções brasileiras. Recentemente, as forças de segurança de Portugal interceptaram uma dessas embarcações 2, cuja carga tinha mais de seis toneladas de cocaína. O submarino possuía mais de 18 metros de comprimento e foi abordado a cerca de mil quilômetros ao sul do arquipélago dos Açores. Transportando as drogas estavam cinco tripulantes; destes, três eram brasileiros: Nelson de Pascoa Correa, de 61 anos, José Mauro Gonçalves, de 52 anos, e Maikon Reais da Silva, de 38 anos. De acordo com as autoridades portuguesas, por trás dessa tecnologia estariam organizações criminosas como o Primeiro Comando da Capital.
O uso de embarcações submergíveis já se consolidava como uma evolução de outra tecnologia de transporte transatlântico de drogas, na qual as facções contratam mergulhadores para soldar estruturas destinadas ao transporte dos narcóticos nos cascos de navios estacionados em portos brasileiros, sendo um dos principais o Porto de Santos. No entanto, essa estratégia apresenta muitas limitações, pois requer homens com treinamento especializado, custo elevado e envolve operações arriscadas, principalmente para os mergulhadores responsáveis por prender as cargas aos cascos das embarcações.
A verdade é que os cartéis e facções utilizam submarinos há pelo menos duas décadas e, com o passar do tempo, têm conseguido ampliar a autonomia dessas embarcações, que se tornaram uma opção cada vez mais utilizada para driblar a fiscalização das agências de segurança.3 Sem pessoas a bordo, as viagens podem ser mais longas, arriscadas e dispensam adaptações para atender às necessidades das tripulações, como alimentação ou descanso. Sem contar a retirada do fator humano, o que permite prolongar o tempo de deslocamento e assumir riscos maiores.
Sem tripulação, em caso de interceptação, não há quem ser interrogado. A perda torna-se meramente material, ao mesmo tempo em que dificulta — de forma quase absoluta — a identificação dos responsáveis e sua responsabilização penal.
Os submarinos do tráfico navegam pouco abaixo da linha da água, o que dificulta sua detecção, ao mesmo tempo em que mantêm velocidade e manobrabilidade suficientes para tentar despistar as guarnições das guardas costeiras e marinhas dos países-alvo. Outro ponto relevante são os materiais e a tecnologia envolvidos na construção desse tipo de artefato: construídos em fibra de vidro e com design de baixo perfil, sua identificação por radares ou sonares é quase impossível.
Informações da Marinha Colombiana indicaram que o submarino apreendido seria de propriedade do Clã do Golfo, principal produtor de cocaína do país e maior cartel em operação atualmente. A consolidação dessa nova tecnologia no transporte de drogas pode subverter a lógica do patrulhamento de portos e regiões litorâneas, obrigando governos a adaptar tecnologias, rever protocolos e desenvolver soluções capazes de identificar essa nova ameaça. Além disso, o uso de embarcações não tripuladas dificultará ainda mais a identificação dos envolvidos nas operações de transporte, o que pode impactar diretamente a responsabilização penal, servindo, na prática, como incentivo ao crescimento de operações dessa natureza.
A tecnologia também permite que os traficantes realizem mais operações do tipo “boi de piranha”, em que cargas menores são propositalmente expostas para mobilizar as forças de segurança e desviar a atenção das rotas verdadeiras, onde trafegam as cargas mais valiosas.
A identificação dessa nova tecnologia confirma um fato que os operadores de segurança já estão carecas de saber: o crime se adapta e desenvolve soluções e tecnologias com muito mais rapidez e eficiência do que as forças estatais conseguem acompanhar. Para o enfrentamento adequado dos cartéis e facções, é preciso ir além das estratégias de interrupção logística e das apreensões de grandes carregamentos. As agências de combate ao narcotráfico precisam focar suas ações no cerne das organizações: prender lideranças, desmantelar redes de influência política, econômica e bélica — antes mesmo que as cargas entrem em circulação.
O que parece um desafio impossível pode ser, na prática, muito mais fruto da falta de vontade política e de coragem institucional do que da dificuldade de localização de criminosos e suas centrais de produção. Por exemplo, atualmente sabe-se que a Colômbia é responsável por aproximadamente 67% da produção global de folha de coca, segundo o Relatório Mundial sobre Drogas da UNODC (2023). Mas não existem estratégias efetivas para atacar diretamente essa produção. Seja por interesses políticos, ideológicos ou pelo comprometimento de autoridades públicas, nem o governo colombiano, nem os países mais afetados pelo tráfico, desenvolvem políticas eficazes para reduzir essas áreas de cultivo, que alimentam os principais cartéis e máfias do planeta.
Essa omissão se repete nas esferas locais de poder, que, algemadas a agendas burocráticas, políticas e ideológicas, escolhem sacrificar seus efetivos de segurança pública em uma guerra assimétrica. Soma-se a isso a corrupção e a cooptação de agentes públicos, que tornam a batalha ainda mais injusta e desleal para os policiais de boa vontade, no Brasil e no mundo.
REFERÊNCIAS:
1 Colômbia faz apreensão inédita de submarino do tráfico sem tripulantes - http://romanews.com.br/mundo/colombia-faz-apreensao-inedita-de-submarino-do-trafico-sem-tripulantes-0725
2 Polícia de Portugal prende brasileiros que transportavam drogas em submarino - https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2025/03/27/policia-de-portugal-prende-brasileiros-que-transportavam-drogas-em-submarino.ghtml
3 Colômbia apreende pela 1ª vez narcossubmarino não tripulado - https://istoedinheiro.com.br/colombia-apreende-pela-1a-vez-narcossubmarino-nao-tripulado
Diante do "que parece um desafio impossível", mas "pode ser, na prática, muito mais fruto da falta de vontade política e de coragem institucional do que da dificuldade de localização de criminosos e suas centrais de produção", o que então alguns propõem como enfrentamento da questão?
Liberação da produção e consumo de droga.